De acordo com o dicionário, a palavra "estranho" significa desconhecido, que não é usual, curioso, singular, extraordinário, anormal, descomunal, admirável, censurável, repreensível, impróprio, livre, isento, arredio, esquivo. E o sonho que eu tive essa semana foi exatamente assim.
Não me lembro mais dos detalhes da atmosfera nem o que eu estava fazendo, mas sei que a minha mãe estava comigo. E ela me dizia com toda a convicção do mundo, que na minha encarnação anterior - lá pelo século dezoito ou dezenove, pelas roupas - eu tinha tido hanseníase. Quando ela me dizia isso, ela sumia e eu sentia nitidamente a minha pele descamando e caindo, que nem cobra trocando de pele. Aí eu me lembro que pensei: "eu? mas como assim, logo eu?" E bastava eu pensar isso, e eu via meu nariz caindo. Caindo mesmo, que nem um pedaço de massinha que estivesse grudado no meu rosto. Fiquei a cara da esfinge! E aí a minha mãe aparecia do meu lado de novo, eu olhava assombrada pra ela e pegava no meu nariz, como pra conferir que ele estava lá. E então acordei.
Fiquei impressionada com o sonho, confesso. Sentei na cama e vi o Fabrício escovando os dentes. Ele olhou pra mim e disse "ooomm iiiaaa", com a boca cheia de espuma. Eu esfreguei o rosto e falei:
- Bom dia. Nossa, eu sonhei que na encarnação passada eu tive hanseníase e meu nariz caiu.
Ele arregalou os olhos.
- "Q-êêê???"
- É, meu nariz caiu...acho que deve ser por isso que agora ele é tão lindinho, pra compensar...
Aí ele não aguentou. Cuspiu e me olhou indignado:
- Ah, é? Então eu caí inteiro dentro do poço, né, santa?
- Caiu no poço? Uai, por que?
- Porque eu sou lindo inteiro, ora bolas!
Gargalhamos, claro. Aqui em casa quase todas as conversas descambam nisso: em besteira. Eu gosto do malfeito, ele é especialista em piorar todos. E ninguém perde a chance de cutucar o outro.
Mais tarde, falando ao telefone com a própria interlocutora do sonho, contei a ela o lance do nariz caído. Liguei o viva-voz pro Fabrício poder ouvir.
- Hein?
- É, mãe, você me dizia que eu tive hanseníase...aí o meu nariz caiu e eu acordei.
Ela deu risada.
- Deve ser por isso que ele é tão bonitinho agora, né? Pra compensar!
Olhei pra ele e caí na gargalhada.
- Mas mãe, foi EXATAMENTE isso que eu falei pro Fabrício!
- É, mas tem outra interpretação também...
Ele levantou a sobrancelha e ficou prestando atenção, interessado. Eu quis saber:
- É? Qual?
- Que não importa o quanto o nariz seja bonitinho, ele cai um dia!
Fabrício quase caiu da cadeira de tanto rir. E eu tive que dar a mão à palmatória. Do mesmo jeito que declaração de mãe em sonho causa a maior impressão, a interpretação da diaba é que acaba prevalecendo. Depois do telefone desligado, Fabrício vaticinou:
- Rá! Isso é que é sogra!