domingo, abril 22, 2007

As Relações Perigosas


Quando entrei em casa, ela estava caída no chão, gritando. Uivando seria o verbo mais adequado, acho. Ela se contorcia, como se dor lancinante lhe percorresse o corpo frágil sacudido pelos soluços desesperados. As lágrimas eram tão abundantes que lhe ensopavam o rosto, a blusa branca e começavam a pingar no chão, formando pequenas poças. Não sei por que entendi de pronto que fosse lá o que a estivesse machucando, não era físico. Era moral. Talvez fossem os olhos, que não estariam mais mortos se estivessem ali no chão aos pedaços. A agonia que emanava dela era profunda e comovente, como se a alma estivesse tentando fugir do corpo, como se tentasse apagar algo horrendo que ela parecia repassar repetidamente na mente enlouquecida de dor. Quis perguntar o que tinha havido, mas senti medo. Será que eu queria mesmo saber o que tinha sido tão terrível para transtorná-la daquela forma? Toquei-lhe a testa, tentando acalmá-la e ela se sacudiu com força, fazendo-me recuar. Ela dizia sem palavras que eu não a podia ajudar e, incapaz de sair dali e deixá-la daquele jeito, sentei-me contra a parede, abracei as pernas e esperei. Ela chorou e gemeu durante muito tempo, até que pareceu serenar e, com a expressão desolada, fitou o vazio por longos minutos. Achei que podia tentar me aproximar novamente e tomei-lhe a mão. Ela desviou os olhos alquebrados para mim, balbuciou: “Não posso mais” e antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, fechou as pálpebras e morreu.

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