sexta-feira, abril 25, 2008

Juízo nenhum

Juízo definitivamente nunca foi o meu forte. Aliás, sempre me faltaram também uns parafusos e eu sempre tive consciência disso. Acho que foi um pouco por isso que sempre pelejei pra manter os meus dentes do ciso. Sabe como é, né? Eu sou uma garota prudente e...

Ok, ok, é mentira, tá? Eu confesso, é mentira! Pronto, satisfeitos? Droga, não posso mentir mais nem no meu próprio blog! Por que vocês não me deixam em paz, hein? Ficam aí, nesse silêncio acusador, como se dissessem "tá, conta outra" com a cara mais cínica do mundo. Seus...seus... malditos leitores!

(inspira...expira...inspiiiiira...expiiiiira...)

Certo, passou o surto. Desculpem o ataque, deve ser a medicação... Hein? Qual medicação? Ah, é, eu ainda não contei.

No sábado passado meu dente do ciso do lado esquerdo superior começou a doer. Ta, isso é normal, eu nem me alarmei. Afinal, venho tolerando a dorzinha deles nascendo não é de hoje, com toda paciência do mundo. Até conversar com eles eu conversava, pra aliviar a dor. O lance é que de jeito nenhum eu ia me submeter à violência de me arrancarem dentes da boca que não davam mostras de quererem sair de livre e expontânea vontade. Aliás, eu já me sentia vilipendiada quando os meus dentes amoleciam e eu era obrigada a arrancá-los, mesmo a contragosto.

Aí o dente começou a doer. Eu ignorei, pensando: "logo isso passa". Ah, quem dera. Ele se revoltou, dessa vez. Foi ficando inflamado, a dor se alastrou para o céu e os cantos da boca, logo eu já nem podia sorrir direito sem fazer careta. Amanheci na segunda feira enlouquecida, corri pra farmácia e pedi um antiinflamatório e um analgésico poderosos. Na saída do caixa - ah, essa eu tenho que contar - quando eu me apresentei pra pagar, o rapazinho se virou pra mim, muuuito educado:

- Olá, bom dia, tudo bom com você?
- Sim, tudo bem. - meio segundo depois comecei a rir e emendei - Se bem que é meio estranho você perguntar a alguém na fila da farmácia carregando remédios pra dor se está tudo bem!

O mocinho corou, gaguejou e acabou rindo junto comigo.

- Desculpe.
- Ah, que nada, eu to só brincando... - Tadinho dele, tão educadinho! Aliás, como todos naquela cidade, ainda escrevo sobre isso outra hora.

De posse dos remédios, me entupi com eles e me senti melhor. Deu pra segurar a onda até o dia seguinte, quando até parecia que a inflamação ia mesmo embora e eu estaria salva pelo gongo. Rá. Ledo engano. Cheguei em casa na quarta à tarde abatida de tanta dor. Na quinta, acordei e liguei no trabalho, avisando que não ia dar pra aparecer. Marquei com o dentista e lá fui eu.

Ele chegou, fuçou na minha boca com aquelas mãozonas cheias de dedos dele - porque essa raça maldita tem dedos tão grandes, hein??? - e disse que o jeito era arrancar. Assim, na lata, sem nem pedir meu telefone ou convidar pra jantar antes. E pra piorar, ele não queria arrancar só o inflamado, queria tirar tudo. Como se pelo fato de eu ter deitado inocentemente na cadeira dele, ele pudesse abusar de mim daquele jeito! Humpf.

Mas o dentista era bom no quesito convencimento. Pintou de tal forma a coisa, que eu quase mandei começar ali mesmo. No entanto, tinha aquela questão, né? Um? Dois? Quatro? Pessoas, o dilema foi grande. Eu nunca tinha ouvido ninguém contar que tinha tirado os quatro dentes de uma vez, eram sempre dois e dois, em duas prestações. Mas também já tinha ouvido gente dizer que tinha tirado um ou dois e nunca mais tinha criado coragem de voltar pra arrancar o resto.

Além disso, eu sou fraca pra dor, gente. Isso é fato, pode colocar nas "coisas sobre a Lívia que você sempre quis saber, mas nunca teve coragem de perguntar". Tenho medo de agulha - por isso nunca fiz minha tatuagem, tenho medo de faca, tenho medo de parto - cesariana, lógico, parto normal é inconcebível, nunca, nem fodendo. E tenho medo de dentista. Merda.

De repente eu me dei conta que ou era ali, naquela hora, ou era nunca mais. Eu me conheço. NUNCA voltaria pra fazer os outros dois dentes de arrancasse só dois ontem. Mas antes de eu me pronunciar quanto à dura decisão, o dentista argumentou:

- Imagine que você quebrou os quatro dedos da mão. Estão quebrados, não tem nada pra ser feito quanto a isso, a não ser consertar. Você por acaso vai endireitar dois, passar pelo pós operatório desses dois, pra depois arrumar os outros dois e passar DE NOVO pelo pós operatório?

Ok, doutor, eu me rendo. Vamos lá, se é pra consentir no estupro, por que não incluir um pouco de areia, né?

Ele me deu uma lista enorme de remédios pra comprar. Antiinflamatório, antibiótico, analgésico, antiséptico bucal. Marcamos pra depois do almoço. Ele disse que era melhor eu comer antes da cirurgia. E confesso, pessoas, na hora não entendi bem por que. Pensei que podia ser por causa da anestesia, da medicação. Vim descobrir hoje, do jeito mais duro possível, que era pra eu ME DESPEDIR DE COMIDA SÓLIDA, QUENTINHA E CHEIROSA, porque agora sei lá quando eu vou ver isso de novo. Aliás, to enojada de sorvete já. E de vitamina. E de suco. (aqui eu poderia dar um grito, não fosse a impossibilidade de abrir a boca).

Cheguei pra cirurgia, meia hora antes como recomendado. A assistente do dentista me deu um "remedinho pra ansiedade". Olhei dentro do copinho e tinha um comprimido branco redondo e um outro, verde, partido ao meio. Com certeza aquele ali era o melhor, que mulher mais muquirana. Deu vontade de dizer: "dá a outra metade do meu comprimido, aí, faz favor?". Ora bolas. Bem, tomei o que ela me deu e mais um de cada caixa que o dentista mandou eu comprar. Sentei e esperei aquele coquetel fazer efeito.

O dentista apareceu e aí foi tudo muito rápido. De repente eu tava deitada na cadeira sob uma luz obscena me cegando com os cabelos dentro de uma touquinha. A assistente me deu uma toalha de papel que, ingenuamente, eu pensei que seria pra enxugar alguma baba. Mas eles forraram em cima de mim um tecido azul, que deixou só o meu rosto de fora. Ali eu comecei a sentir a claustrofobia dando sinal. "Calma, Lívia", pensei. Pra me distrair, voltei a pensar no lencinho. Se não era pra baba, era pro que, então? Pra ter o que segurar e apertar na hora do sufoco? Acho que um pouco era por isso sim. Mas eu achei uma utilidade pra ele mais tarde - enxugar as lágrimas.

Eles começaram. Veio a seringa, imeeensa. (Aqui, pausa: adicionem ali na lista de coisas das quais eu tenho medo as injeções e seringas de todos os tipos. Mesmo a que tava cheia de soro, só pra lavar o sangue do dente, me apavorava). Cara, eu ODEIO anestesia na gengiva. ODEIO. Aquilo dá uma vontade de morrer, é a mesma coisa da piada: "qual o cúmulo da agonia? - uma velha desdentada mastigando uma gilete". NÃO DÁ. E o que mais me mata de ódio é o tom que o feladaputa fala com a gente naquela hora. "É só uma picadinha, não vai doer nada..." PICADINHA INDOLOR SÓ SE FOR NO CU DELE!!!!!

Dada a injeção, ele ACHOU que podia começar a carnificina. Bem que ele queria. Precisei de QUATRO injeções EM CADA DENTE pra ele poder mexer. E o desgraçado perguntava: "tem certeza que ta doendo mesmo? você não tá só sentindo eu mexer no dente?". Ah, não, cara. Teve uma hora que eu perdi a fleuma com ele. Quando ele perguntou essa pela terceira vez, eu fiz um sinal pra assistente tirar aquela porra daquele sugador da minha boca e falei, do jeito que dava: "EU DISSE QUE ESTÁ DOENDO. O senhor me desculpe, mas mesmo deitada aqui eu ainda sei diferenciar DOR de SENSIBILIDADE".

Ele ficou meio desconsertado e se empertigou todo. A assistente, talvez vindo em socorro do dentista, tacou a porra do sugador de novo na minha boca. Cara, devia ter teste de habilidade específica pra assistentes de dentista. Depois da seleção elas até poderiam não ser tão boas, mas pelo menos não manejariam os instrumentos como se tivessem Parkinson, esbarrando nos dentes que não tinham nada a ver com a coisa e grudando o sugador na pele da minha boca. Ai, que ódio.

Eu chorei, cara. Confesso. "Ah, mas não doeu, você estava anestesiada". Ah, é? Pra ficar anestesiada foram 16 agulhadas de injeção na gengiva. Isso porque eu ainda não falei da broca. Velho, na boa. Quando o miserável do dentista enfiava aquela merda zunindo dentro da minha boca, era como se ele estivesse polindo a minha cabeça com um esmeril. Ressoava. Não dá pra descrever o desespero. Muitas vezes eu tremi, tive taquicardia, o choro anuviou minhas vias respiratórias e me deu falta de ar. Perdi as contas de quantas vezes eu implorei pra Deus praquilo acabar logo e teve uma hora que segurei a custo o impulso de começar a gritar com aqueles dois, empurrar tudo longe e sair correndo.

Fiquei ali deitada pensando que aquilo era mesmo um estupro. Invasivo, violento, aviltante. Minhas forças foram acabando. As lágrimas escorriam já sem provocar nenhum soluço, os olhos semi-cerrados, incapaz de manter as pálbebras totalmente abertas. A boca ia se fechando sem eu ver, mesmo com o retrator de metal escancarando a pele, machucando ainda mais. Eu tava louca pra urinar, ia explodir a qualquer minuto. E pra piorar, eu tinha que ouvir coisas como:

- Abre grandão agora, Lívia! - a idiota da assistente.
- Abre a boca. Abre mais. Mais um pouco. Parece que você ta meio cansada aí, né? - o imbecil do dentista.

Acabou. Ele me fez recomendações que estão meio nebulosas agora. Gelo. Gaze. Líquido. Sólido. Quente. Repouso. Atestado. Remédio.

Quando a minha mãe chegou pra me pegar, ela comentou sobre o pós operatório do meu irmão, que rolou hemorragia. O dentista parou, pensou um segundo e pediu pra assistente olhar no carro dele se tinha um remédio Y lá. Ela foi e não achou nada. Ele mesmo foi olhar e demorou um pouco. Tinha ido na farmácia. Me deu o comprimido e mandou eu tomar ali, naquela hora. A língua, semi morta pela anestesia, não colaborava, eu quase sufoquei duas vezes e me afoguei com a água. Mas acabou descendo. Mamis me levou pra casa, eu deitei no sofá e apaguei. Acordei meia hora antes de vencer o efeito do analgésico, uivando de dor.

Agora, eu to aqui com a cara do Kiko do Chaves misturado com o Quasímodo. De molho, mas já tive que trabalhar. Descobri que esse negócio de sorvete é superestimado, que a minha avó faz doce de leite de pedaço nos momentos mais impróprios, que a comida da minha mãe é intoleravelmente cheirosa. Mas pelo menos o sangue ta estancado e eu to levando mais ou menos com o analgésico, meu melhor amigo.

Mas o pior é: eu to mais manhosa que homem gripado. Pode isso?

quarta-feira, abril 23, 2008

Noventa e cinco horas

Então é aquela história: duas pessoas um dia se encontram sem querer, conversam muito mesmo pra tentar se conhecer, e vai vindo de repente uma vontade de se ver. E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração e bla bla bla. Ok, Eduardo e Mônica é brabo, eu sei. Mas me dá um desconto, hoje eu mereço. Afinal, podia ser pior...eu também lembrei da Sandra de Sá, bem trash cantando "de repente me deu uma louca vontade de estar com você..." e do Fábio Jr. entoando a bendita "Felicidaaaaade" que brilha no ar. Então não reclama, tá?

Um dia, do nada, você conhece alguém que parece nada demais e nem há motivos pra pensar que alguma coisa possa acontecer apenas pelo fato de ter conhecido esta pessoa. Você não pensa muito nisso, tem coisas mais absorventes pra se preocupar. E é quando o tal cidadão que você conheceu daquele jeito despretensioso começa a se mostrar, colocando alegre e inocentemente as asinhas de fora. Você se surpreende, se pega pensando nisso mais vezes do que gostaria e se sentindo mais atraída do que poderia esperar. E então você pára, coça a cabeça e diz a si mesma que não é uma boa idéia, que é melhor deixar isso pra lá. Mas a importância daquilo cresce, diretamente proporcional à inconveniência da situação. E você se dá conta de que está apaixonada.

Até aí, nada muito inédito. Afinal, a maioria das paixões é mesmo uma idéia muito ruim a princípio e poucas batem no primeiro contato. Via de regra, elas chegam de repente, se instalam devagarinho e puxam o seu tapete, acredite.

Mas a partir daí é que a coisa começa a se individualizar. Algumas paixões se mantém platônicas, outras não são correspondidas e redundam num "você está confundindo as coisas", noutras você se joga de cabeça e vive momentos realmente únicos. Aí, nova ramificação. Umas ficam nesse encanto inicial por um tempo, perdem a graça e morrem. Outras evoluem e se transformam em algo maior.

Os primeiros dias são aquela coisa, né? Suspiros, olhos brilhando, sorrisos incontidos, dedos entrelaçados, palavras doces, tesão incontrolável, sacanagem e romantismo mesclados em proporções perfeitas, brincadeiras, enlevo, descobertas. Aí, quando finalmente você consegue desgrudar um pouco, apresenta pros amigos. Nesse ponto, algumas paixões acabam, porque você descobre que ele é chato ou que não entende a piada e banca o bobo ou que é rude e te passa vergonha. Mas nem todos. Alguns se mostram brilhantes e adoráveis e te fazem pensar que você ta coberta de razão em gostar daquele homem.

Aí, por um acidente - afinal, você não queria apresentar sua mãe pra ele, ainda mais tão rápido assim - ele acaba conhecendo a sua família. E, em vez de ser uma tragédia, que nem seria com a maioria, ele tira de letra a saia justa e ainda deixa todo mundo babando por ele. Aí você começa a pensar se aquilo é pegadinha e passa a procurar o Sérgio Malandro enquanto anda na rua. Não dá pra ser aquilo tudo, gente, tem algo errado nessa história! Mas você manda o senso crítico às favas e está de quatro. Se melhorar estraga, você tem certeza disso. E aí faz o que? Vai passar o feriado prolongado com ele.

Noventa e cinco horas. Dormindo e acordando junto. Bastidores, supermercado, lençóis, cinema, refeições, teatro, passeios de mãos dadas, diálogos hilários, jantar com amigos, papos sérios, planos, brincadeiras, suor, saliva, secreção. Uma overdose.

E você descobre que é aquilo mesmo e mais ainda: é de verdade. Real, palpável, de carne e osso. E que gosta dele mais do que nunca.

quarta-feira, abril 16, 2008

Uma lista

O - que as pessoas insistem em chamar de PD, mas não eu - me indicou pra seguir com uma corrente. Ok, ok, eu vou parar de fazer de conta que odeio correntes. SIM, vocês ouviram direito, o mundo não vai acabar por isso: fazer listas é uma mania minha. Paciência, né? Nerdice é foda.

Anyway. A lista dessa vez é sobre coisas que eu quero fazer antes de morrer. Certo, eu faço, embora tenha que pensar um pouco. Ocorreu-me agora que uma lista igualmente factível é de coisas que eu queria ser quando crescesse, principalmente se isso fosse amanhã...

A lista: Coisas pra fazer antes de morrer

1. Aprender a dançar tango.
2. Conseguir instalar a porra do adsense e ganhar dinheiro com ele.
3. Descobrir o que eu quero ser quando crescer.
4. Saber quem foi o anônimo sem senso de humor que postou no "mais conversa insólita".
5. Saber como essa mulher enfiou esse lenço tão rápido.
6. Dividir a vida com alguém que valha a pena.
7. Recuperar dona Nayra.
8. Fazer a Dehynha ter tempo de colocar o tarô pra mim.
9. Jogar uma bomba em todas as instalações do Detran e matar todos aqueles funcionários corruptos, viciados, mal comidos e asquerosos.
10. Viajar. Muito. E ver coisa pra caralho.

Ok, são dez. Outra mania que eu tenho: números redondos. Se bem que eu posso fazer mais cinco listas dessa sem repetir nenhum item. Ta, não farei isso, poupo meus pobres leitores.

Assim, indico os próximos a fazerem lista:
  • a Dehynha no Quatro Peitos, porque ela ainda não postou lá.
  • o Balconista, porque ele ainda vai admitir que é nerd.
  • a Carlinha, porque ela é ótima de listas.
  • o Eric, porque ele sempre lembra de mim nessas coisas, eu sempre lembro dele. Óun.
  • a Lilhoca, porque ela tem as melhores respostas.
  • o Outsider, pra ver se ele volta a postar, que ta fazendo falta.
  • a Camila, que é leitora fiel e eu quero muito saber mais dela.

terça-feira, abril 15, 2008

Dor

A Nayra foi embora hoje.
E eu to tentando arrumar coragem pra ir também.

E agora?

Às vezes as dificuldades se avolumam e se acumulam tanto, que a gente afunda, se perde, desiste. Às vezes a gente pensa se é bom o suficiente pra enfrentar algumas coisas de peito aberto. E nessas horas dá um frio, uma vontade de se esconder sob a cama, de cobrir os olhos pra ver se as coisas vão embora que nem as sombras quando o sol nasce.

Eu não sei o que fazer. Eu só sei que preciso fazer. E que to com um medo danado.

quinta-feira, abril 10, 2008

Mais conversa insólita

- Aí, ele teve a capacidade de me dizer que eu não entendia nada daquele assunto.
- O QUÊÊÊÊ???
- Pois, é.
- Ah, pára a palhaçada, né?
- Ô! O cúmulo da audácia.
- Amiga, pára tudo vai. Assim não pode! Se tem uma coisa que não dá pra aceitar é homem subestimando a nossa inteligência!
- Exatamente.
- Pode chamar de feia, de gordinha, de maltratada, mas NÃO subestima a nossa inteligência, caralho!
- Er...gordinha pode?
- ALOW?? Vamos manter o foco, por favor???

terça-feira, abril 08, 2008

Teoria

Ele costumava dizer que ela era um amontoado de mulheres numa só e que sempre se surpreendia, porque a interlocutora nunca era quem ele achava que seria. Ela se divertia com essa teoria, mas também nunca achava graça do mesmo jeito. Até o riso variava de tom, o que só corroborava a idéia dele.

E empregava muito tempo em observações, metódico que era. Chegou mesmo a apelidar as diversas facetas dela. "A diaba". "A chorona". "A palhaça". "Aquela que almoçou comigo ontem". Ela protestava, fazendo troça. Mas não havia quem pudesse com ele quando o assunto era a argumentação apaixonada e até ela mesma acabou se convencendo.

Ele se divertia provocando as oscilações dela e surpreendeu-se ao constatar que também se transformava. Mudava os olhos, a voz, o cheiro, o toque. Mudava o humor, o sorriso, o ritmo. Mais que isso, descobriu-se menos pragmático e mais impulsivo, como nunca havia sido.

E em meio a tantas descobertas, perceberam que, por mais que variassem, havia, no entanto, uma constante: encaixavam direitinho um nas esquisitices do outro.

domingo, abril 06, 2008

Comédia Romântica

Ele arrancou com o carro imprimindo nele a força que emanava de si mesmo. O motor potente rugiu e se afastou rapidamente, enquanto ela olhava, parada na calçada com o coração se sacudindo no peito, sentindo um travo na garganta. Como sentiria a falta dele! Viu o carro parar no sinal, fechado. Murmurou uma prece ininteligível. Que os deuses e todos os anjos tomassem conta dele no caminho de volta.

Uma fração de segundo depois, observou espantada o carro dar ré em alta velocidade, vindo em sua direção. Ele brecou bruscamente e ela adiantou-se, abrindo a porta.

- Esqueceu alguma coisa?
- Esqueci. Me dá mais um beijo!

Ela riu e saltou sobre o banco. Ele veio ávido, todo lábios e calor. Entremeou os dedos nos cabelos dela num carinho rápido, no ritmo da língua. Misturaram as respirações e se olharam por um momento imenso. Sorriram, cúmplices.

- Tchau, meu amor.

O carro arrancou de novo, ela continuou na calçada. Mas dessa vez, nem mesmo a agonia da despedida impediu-a de rir. Ele sempre se superava.

Ele dobrou a esquina, sumindo de vista. Ela fechou os olhos ligeiramente e abanou a cabeça, sem deixar de sorrir. A música tema, que até então fazia apenas fundo pra cena, aumentou e se sobrepôs ao barulho do trânsito. Ela abriu o portão e entrou em casa. Subiram os créditos. E fim.

terça-feira, abril 01, 2008

Conversas Insólitas sei lá que número

- Que ótimo! Comecei o dia no engarrafamento.
- Comecei o dia espremida num elevador cheio de homem. Quer trocar?
- Ué, tem algum bonito? Hoje eu to facinho...
- Que nada, só barango.
- Hoje eu to tão facinho que poderia te chamar pra namorar comigo.
- Ih, ta facinho mesmo. Mais que isso só eu, que aceitaria no ato.
- ...
- ...
- Quer namorar comigo?
- Hoje é primeiro de abril, né?
- É. Mas a pergunta ta valendo.
- Sério?
- Sério.
- Cadê o Sérgio Malandro?
- Saiu, você quer namorar com ele?
- Não, serve você mesmo.
- Ótimo. Agora eu vou desligar antes que eu bata o carro, tá?
- Tá.
- tu tu tu tu...

Marca D'água

Ela pensou em pendurar uma placa. Escrita em neon vermelho, piscando que nem aquelas antigas propagandas de cigarro. Puxa, isso tinha sido há muito tempo, parecia outra vida. E pensar nessa comparação fazia-a se sentir um pouco velha. Não, velha não. Defasada? Retrógrada? Não. Saudosista. Sim, de fato.

Aliás, ela era assim. Valorizava detalhes, gestos simples, pequenos-grandes significados. Sentia saudade de xícaras de café e sorrisos compartilhados no fim da tarde, lembrava-se comovida de um trecho de livro que lhe tinha sido mostrado, guardava com carinho confidências, histórias e até mesmo piadas bobas.

Gostava de ser assim. Ainda que alguns a julgassem tola, por vezes, era assim que ela sabia sentir as coisas. Pra ela, alguém que tinha um dia sido importante não deixava de sê-lo da noite pro dia, como se apagado pelo pressionar de um botão. Ainda que a vida seguisse seu curso e novos acontecimentos trouxessem sentimentos renovados, a marca das experiências passadas continuava presente, lembrando-a de tudo que já tinha aprendido e incitando-a a fazer direito dessa vez.

E quando se faziam presentes a alegria e a emoção provocadas pelas mudanças, a vontade que tinha era de rir alto e contar pra quem quisesse ouvir. Mais que isso, a vontade era prestar um tributo. E por isso pensou na placa. Penduraria uma, gigantesca, com letreiro em neon vermelho qual o das antigas propagandas de cigarro. E poria nela tudo quanto queria bradar ao mundo, tudo o que lhe supitava pelos olhos e pelos poros, tudo o que fazia brotar aquele sorriso irritante que a acompanhava até mesmo quando caminhava pela rua.

Mas, outra característica marcante da sua personalidade era a sutileza, que, aliada ao gosto pelos pequenos detalhes, a fez mudar de idéia. Em vez da placa, faria uma marca dágua. Discreta, suave, por vezes até mesmo imperceptível. Mas indelével e sempre presente. Que nem o raio do sorriso.