quinta-feira, abril 26, 2007

Trâmites Legais

Hoje, senhoras e senhores, eu acordei feliz. Não cantando, mas bem. NORMAL, como há muito não me sentia. E me deu vontade de trabalhar. Fui pro escritório, atendi clientes, aceitei casos novos, empilhei códigos abertos sobre a mesa para pesquisar e declarei imposto de renda. Parecendo gente grande, né não?

Mas o motivo do post é contar um acontecimento inusitado. Estava eu aqui me deliciando com a preliminar de inépcia que eu ia tacar num advogado burro que escreve AUTOS com L, quando bateram na porta. Fui atender e encontrei uma menina baixinha, com vários furos nas orelhas e uma carinha infantil. Devia estar vendendo bombons ou algo assim.

- Oi - fiz eu.
- Oi - fez ela. E emendou - Eu quero casar.

Hein??? Eu quase perguntei horrorizada: COMIGO? Mas me contive e pedi que ela entrasse e se sentasse. Outra coisa que parecia insólita: casar? Pra mim ela tinha cara de quinta série e vinha me falar em casar? O mundo tava perdido mesmo.

A despeito das intensas considerações íntimas, sorri e pedi que ela me explicasse melhor, afinal de contas, ela tinha batido na porta de um escritório de advocacia e não de um cartório pra se casar. Ou seja, tinha caroço nesse angu.

Aí ela explicou:

- Eu tenho quinze anos e meu noivo tem dezessete. A gente quer casar.
Eu: Sua mãe sabe?
Ela: Sabe.
Eu: Ela concorda?
Ela: Concorda.
Eu: Quanto tempo de relacionamento? - confesso que isso foi apenas curiosidade, nada interessava no processo.

Ela: Sete meses. - com cara de quem acha sete meses uma eternidade.

Ai, Deus. Mas ok, é a vontade do freguês, né?

Nesse ponto eu quase abri a minha bocona pra dizer que era fácil, era só fazer uma autorização judicial. E felizmente eu lembrei a tempo de que o Direito de Família estabelece como idade mínima pra casar os dezesseis anos, mesmo com autorização dos pais. Droga.

- Falta muito pra você fazer dezesseis? - eu tive esperança.
- Falta. Um ano, eu faço quinze agora dia 30 de abril.

Qua diabo!!! Com certeza aquela tampinha com sorriso de menina não fazia idéia do que era casar. A maluquinha tinha CATORZE anos! E tinha achado um outro louquinho com DEZESSETE pra casar com ela! Ah, ainda existe romantismo no mundo! E impulsividade! E pais permissivos!! E tá cheio de mulher por aí que passa a vida in-tei-ri-nha sem achar uma alma que queira dormir junto e acordar junto todo dia! Minha santa periquita do bigode loiro!

Mas como era meu retorno à labuta causídica, não podia perder a cliente sem insistir mais um pouco. Catei o Código Civil comentado e fui à caça de alguma exceção. E achei: o casamento com menos de dezesseis anos é permitido em caso de gravidez e em caso de SALVAGUARDA DA HONRA, quando o casamento era melhor que cumprir pena.

Eu não aguentei e desatei a rir. A menina arregalou os olhos. Acho que ela nunca pensou em achar uma advogada que usasse vestidão tomara-que-caia com sandália rasteira e desse gargalhada na frente dela. Expliquei:

- Você tem três opções. Ou você espera um ano pra casar, ou você providencia uma gravidez hoje ainda ou...

E dei mais risada. A expressão da menina já era de curiosidade mórbida. Segurei o riso e terminei:

- Ou então a sua mãe vai no Ministério Público e faz uma denúncia pro promotor, dizendo que o seu namorado abusou de você e manchou a sua honra. Aí abre um processo criminal contra ele por sedução de menor e, pra não ser condenado e cumprir pena, ele se propõe a casar com você pra "salvar a sua honra".

Aí ela entendeu o motivo da risada e me acompanhou dessa vez.

- Então eu tenho que falar que ele... - interrompe a gargalhada.

- É. - risada - E melhor que seja verdade, já que corre o risco de fazerem um teste... (aqui novamente a curiosidade. Será que aquela menininha já tinha vida sexual? Bom, devia ter, e das boas, ou do contrário não estaria tão empenhada em botar aliança no dedo do namorado).

- É verdade? - pelo menos eu tive a decência de fazer uma cara bem encabulada. Ela riu e confirmou, sim, o namorado tinha "manchado a honra dela", sim.

Misericórdia. Peguei os dados do casalzinho e me dei uma semana de prazo pra bater um papo com um promotor amigo e ver se o caso era viável. Ela foi embora alegre e saltitante, pelo jeito já imaginando como contaria pro namorado que ele seria processado criminalmente para poderem casar. Um sedutor de menores. Ui, que medo. Capaz de virar até brincadeira de alcova na lua de mel.

E viva a lei, que faz todo o sentido do mundo e não submete ninguém a situações escabrosas!!!!

7 comentários:

Anônimo disse...

Ano que vem ela volta aí... :oP

Anônimo disse...

mas o garoto não tem 17 anos? ele também é inimputável.

Lívia disse...

Henrique, isso não tem a ver. Tendo mais de dezesseis, com o consentimento dos pais, pode. E o casamento causa a emancipação automática, mesmo que ele ainda seja menor.

Thiago Nebuloni disse...

"mesmo que ele ainda seja menor"
Ele tem dezesseis... Ele é menor de idade... "contra ele por sedução de menor".
Menor seduzindo menor?

Lívia disse...

Sim. Um relativamente capaz seduzindo uma incapaz. E outra, a idade penal acaba de ser baixada pra 16 anos. :-)

Anônimo disse...

ele só é relativamente capaz em direito civil. e a idade penal ainda não foi mudada, só foi aprovada pela CCJ, falta votar. e pelo que vi do projeto, isso vale pra crimes hediondos só.

Lívia disse...

Ah, fala sério...vc REALMENTE tá levando essa conversa a sério??? :-P

Bah.