quinta-feira, março 27, 2008

Presença

A sua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça.

Ela abriu os olhos naquela manhã e deixou escapar um suspiro. Talvez porque o ruído da chuva somado à parca claridade convidasse mais a procurar uma nova posição sob o edredon verde oliva, do que a enfrentar o chuveiro quente e o salto alto. Talvez a noite tivesse sido curta pro cansaço acumulado ao longo da semana. Ou talvez o suspiro fosse resquício dos sonhos nebulosos e turbulentos que tinham embalado seu sono durante a noite. O suspiro tornou-se um grunhido quando, procurando coragem pra se levantar, puxou de lado a coberta e sentiu o choque da brisa fria matutina contra a pele morna e nua. Espreguiçou-se, lânguida, e pousou as mãos sobre os seios macios, num gesto pouco usual, mas que lhe pareceu natural e irrefreável. Era como se estivesse faltando algo ali. Como se até então houvessem dedos pousados sobre os mamilos escuros e sensíveis, pressionando, tateando, envolvendo. Admirada com a constatação, virou-se de lado, encolheu as pernas e abraçou a si mesma, ressentindo-se menos do frio, que da sensação de lacuna que a invadiu. De repente, teve a certeza de que a cama tinha estado ocupada por mais alguém até então, alguém que tinha acabado de se levantar, deixando nos lençóis o calor e o rastro da sua presença. Deslizou a mão direita pelos quadris percorrendo a pele morena vagarosamente enquanto tomava consciência do corpo inteiro. Toda a sua pele vibrava como se exalasse a impressão deixada por um longo abraço. Ainda podia sentir o peito largo comprimindo-se contra as costas, o braço forte ainda pesava na cintura e chegou mesmo a sentir a respiração quente junto ao pescoço. Inquieta, olhou em volta procurando a confirmação de que realmente estava sozinha, quando o sonho, até então indistinto, emergiu trazendo consigo imagens e sensações pungentes, que a fizeram retesar os músculos da pélvis e cerrar os olhos, gemendo fracamente. Rememorou os arquejos, a cadência, o desejo. A mordida na nuca, os dedos crispados sobre os quadris, os murmúrios roucos no ouvido. A respiração pesada, os rugidos que eram quase ganidos. A pressão, a urgência, a força a cada estocada, o prazer insuportável, um grito, o gozo. Com os olhos apertados, deixou-se arrebatar e deslizou a mão por entre as pernas, de onde escorria fogo líquido. Com movimentos frenéticos dos dedos tensos, dissolveu-se novamente, sacudindo os quadris em espasmos e miando baixinho. Abraçou o travesseiro enquanto o corpo serenava e ficou quieta, observando as sombras nas cortinas, dizendo a si mesma que era hora de se levantar. Pisou o chão frio e olhou-se no espelho, contemplando os cabelos escuros revoltos, os olhos intensos, os lábios avermelhados. E a sensação de dedos entrelaçados nos cabelos da nuca voltou, fazendo-a correr pro chuveiro incontinenti. Aquele quarto não era mais um lugar tranqüilo, a presença dele tinha tomado tudo. Maldito.



Lívia Santana.
06/03/2008

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