Juízo definitivamente nunca foi o meu forte. Aliás, sempre me faltaram também uns parafusos e eu sempre tive consciência disso. Acho que foi um pouco por isso que sempre pelejei pra manter os meus dentes do ciso. Sabe como é, né? Eu sou uma garota prudente e...
Ok, ok, é mentira, tá? Eu confesso, é mentira! Pronto, satisfeitos? Droga, não posso mentir mais nem no meu próprio blog! Por que vocês não me deixam em paz, hein? Ficam aí, nesse silêncio acusador, como se dissessem "tá, conta outra" com a cara mais cínica do mundo. Seus...seus... malditos leitores!
(inspira...expira...inspiiiiira...expiiiiira...)
Certo, passou o surto. Desculpem o ataque, deve ser a medicação... Hein? Qual medicação? Ah, é, eu ainda não contei.
No sábado passado meu dente do ciso do lado esquerdo superior começou a doer. Ta, isso é normal, eu nem me alarmei. Afinal, venho tolerando a dorzinha deles nascendo não é de hoje, com toda paciência do mundo. Até conversar com eles eu conversava, pra aliviar a dor. O lance é que de jeito nenhum eu ia me submeter à violência de me arrancarem dentes da boca que não davam mostras de quererem sair de livre e expontânea vontade. Aliás, eu já me sentia vilipendiada quando os meus dentes amoleciam e eu era obrigada a arrancá-los, mesmo a contragosto.
Aí o dente começou a doer. Eu ignorei, pensando: "logo isso passa". Ah, quem dera. Ele se revoltou, dessa vez. Foi ficando inflamado, a dor se alastrou para o céu e os cantos da boca, logo eu já nem podia sorrir direito sem fazer careta. Amanheci na segunda feira enlouquecida, corri pra farmácia e pedi um antiinflamatório e um analgésico poderosos. Na saída do caixa - ah, essa eu tenho que contar - quando eu me apresentei pra pagar, o rapazinho se virou pra mim, muuuito educado:
- Olá, bom dia, tudo bom com você?
- Sim, tudo bem. - meio segundo depois comecei a rir e emendei - Se bem que é meio estranho você perguntar a alguém na fila da farmácia carregando remédios pra dor se está tudo bem!
O mocinho corou, gaguejou e acabou rindo junto comigo.
- Desculpe.
- Ah, que nada, eu to só brincando... - Tadinho dele, tão educadinho! Aliás, como todos naquela cidade, ainda escrevo sobre isso outra hora.
De posse dos remédios, me entupi com eles e me senti melhor. Deu pra segurar a onda até o dia seguinte, quando até parecia que a inflamação ia mesmo embora e eu estaria salva pelo gongo. Rá. Ledo engano. Cheguei em casa na quarta à tarde abatida de tanta dor. Na quinta, acordei e liguei no trabalho, avisando que não ia dar pra aparecer. Marquei com o dentista e lá fui eu.
Ele chegou, fuçou na minha boca com aquelas mãozonas cheias de dedos dele - porque essa raça maldita tem dedos tão grandes, hein??? - e disse que o jeito era arrancar. Assim, na lata, sem nem pedir meu telefone ou convidar pra jantar antes. E pra piorar, ele não queria arrancar só o inflamado, queria tirar tudo. Como se pelo fato de eu ter deitado inocentemente na cadeira dele, ele pudesse abusar de mim daquele jeito! Humpf.
Mas o dentista era bom no quesito convencimento. Pintou de tal forma a coisa, que eu quase mandei começar ali mesmo. No entanto, tinha aquela questão, né? Um? Dois? Quatro? Pessoas, o dilema foi grande. Eu nunca tinha ouvido ninguém contar que tinha tirado os quatro dentes de uma vez, eram sempre dois e dois, em duas prestações. Mas também já tinha ouvido gente dizer que tinha tirado um ou dois e nunca mais tinha criado coragem de voltar pra arrancar o resto.
Além disso, eu sou fraca pra dor, gente. Isso é fato, pode colocar nas "coisas sobre a Lívia que você sempre quis saber, mas nunca teve coragem de perguntar". Tenho medo de agulha - por isso nunca fiz minha tatuagem, tenho medo de faca, tenho medo de parto - cesariana, lógico, parto normal é inconcebível, nunca, nem fodendo. E tenho medo de dentista. Merda.
De repente eu me dei conta que ou era ali, naquela hora, ou era nunca mais. Eu me conheço. NUNCA voltaria pra fazer os outros dois dentes de arrancasse só dois ontem. Mas antes de eu me pronunciar quanto à dura decisão, o dentista argumentou:
- Imagine que você quebrou os quatro dedos da mão. Estão quebrados, não tem nada pra ser feito quanto a isso, a não ser consertar. Você por acaso vai endireitar dois, passar pelo pós operatório desses dois, pra depois arrumar os outros dois e passar DE NOVO pelo pós operatório?
Ok, doutor, eu me rendo. Vamos lá, se é pra consentir no estupro, por que não incluir um pouco de areia, né?
Ele me deu uma lista enorme de remédios pra comprar. Antiinflamatório, antibiótico, analgésico, antiséptico bucal. Marcamos pra depois do almoço. Ele disse que era melhor eu comer antes da cirurgia. E confesso, pessoas, na hora não entendi bem por que. Pensei que podia ser por causa da anestesia, da medicação. Vim descobrir hoje, do jeito mais duro possível, que era pra eu ME DESPEDIR DE COMIDA SÓLIDA, QUENTINHA E CHEIROSA, porque agora sei lá quando eu vou ver isso de novo. Aliás, to enojada de sorvete já. E de vitamina. E de suco. (aqui eu poderia dar um grito, não fosse a impossibilidade de abrir a boca).
Cheguei pra cirurgia, meia hora antes como recomendado. A assistente do dentista me deu um "remedinho pra ansiedade". Olhei dentro do copinho e tinha um comprimido branco redondo e um outro, verde, partido ao meio. Com certeza aquele ali era o melhor, que mulher mais muquirana. Deu vontade de dizer: "dá a outra metade do meu comprimido, aí, faz favor?". Ora bolas. Bem, tomei o que ela me deu e mais um de cada caixa que o dentista mandou eu comprar. Sentei e esperei aquele coquetel fazer efeito.
O dentista apareceu e aí foi tudo muito rápido. De repente eu tava deitada na cadeira sob uma luz obscena me cegando com os cabelos dentro de uma touquinha. A assistente me deu uma toalha de papel que, ingenuamente, eu pensei que seria pra enxugar alguma baba. Mas eles forraram em cima de mim um tecido azul, que deixou só o meu rosto de fora. Ali eu comecei a sentir a claustrofobia dando sinal. "Calma, Lívia", pensei. Pra me distrair, voltei a pensar no lencinho. Se não era pra baba, era pro que, então? Pra ter o que segurar e apertar na hora do sufoco? Acho que um pouco era por isso sim. Mas eu achei uma utilidade pra ele mais tarde - enxugar as lágrimas.
Eles começaram. Veio a seringa, imeeensa. (Aqui, pausa: adicionem ali na lista de coisas das quais eu tenho medo as injeções e seringas de todos os tipos. Mesmo a que tava cheia de soro, só pra lavar o sangue do dente, me apavorava). Cara, eu ODEIO anestesia na gengiva. ODEIO. Aquilo dá uma vontade de morrer, é a mesma coisa da piada: "qual o cúmulo da agonia? - uma velha desdentada mastigando uma gilete". NÃO DÁ. E o que mais me mata de ódio é o tom que o feladaputa fala com a gente naquela hora. "É só uma picadinha, não vai doer nada..." PICADINHA INDOLOR SÓ SE FOR NO CU DELE!!!!!
Dada a injeção, ele ACHOU que podia começar a carnificina. Bem que ele queria. Precisei de QUATRO injeções EM CADA DENTE pra ele poder mexer. E o desgraçado perguntava: "tem certeza que ta doendo mesmo? você não tá só sentindo eu mexer no dente?". Ah, não, cara. Teve uma hora que eu perdi a fleuma com ele. Quando ele perguntou essa pela terceira vez, eu fiz um sinal pra assistente tirar aquela porra daquele sugador da minha boca e falei, do jeito que dava: "EU DISSE QUE ESTÁ DOENDO. O senhor me desculpe, mas mesmo deitada aqui eu ainda sei diferenciar DOR de SENSIBILIDADE".
Ele ficou meio desconsertado e se empertigou todo. A assistente, talvez vindo em socorro do dentista, tacou a porra do sugador de novo na minha boca. Cara, devia ter teste de habilidade específica pra assistentes de dentista. Depois da seleção elas até poderiam não ser tão boas, mas pelo menos não manejariam os instrumentos como se tivessem Parkinson, esbarrando nos dentes que não tinham nada a ver com a coisa e grudando o sugador na pele da minha boca. Ai, que ódio.
Eu chorei, cara. Confesso. "Ah, mas não doeu, você estava anestesiada". Ah, é? Pra ficar anestesiada foram 16 agulhadas de injeção na gengiva. Isso porque eu ainda não falei da broca. Velho, na boa. Quando o miserável do dentista enfiava aquela merda zunindo dentro da minha boca, era como se ele estivesse polindo a minha cabeça com um esmeril. Ressoava. Não dá pra descrever o desespero. Muitas vezes eu tremi, tive taquicardia, o choro anuviou minhas vias respiratórias e me deu falta de ar. Perdi as contas de quantas vezes eu implorei pra Deus praquilo acabar logo e teve uma hora que segurei a custo o impulso de começar a gritar com aqueles dois, empurrar tudo longe e sair correndo.
Fiquei ali deitada pensando que aquilo era mesmo um estupro. Invasivo, violento, aviltante. Minhas forças foram acabando. As lágrimas escorriam já sem provocar nenhum soluço, os olhos semi-cerrados, incapaz de manter as pálbebras totalmente abertas. A boca ia se fechando sem eu ver, mesmo com o retrator de metal escancarando a pele, machucando ainda mais. Eu tava louca pra urinar, ia explodir a qualquer minuto. E pra piorar, eu tinha que ouvir coisas como:
- Abre grandão agora, Lívia! - a idiota da assistente.
- Abre a boca. Abre mais. Mais um pouco. Parece que você ta meio cansada aí, né? - o imbecil do dentista.
Acabou. Ele me fez recomendações que estão meio nebulosas agora. Gelo. Gaze. Líquido. Sólido. Quente. Repouso. Atestado. Remédio.
Quando a minha mãe chegou pra me pegar, ela comentou sobre o pós operatório do meu irmão, que rolou hemorragia. O dentista parou, pensou um segundo e pediu pra assistente olhar no carro dele se tinha um remédio Y lá. Ela foi e não achou nada. Ele mesmo foi olhar e demorou um pouco. Tinha ido na farmácia. Me deu o comprimido e mandou eu tomar ali, naquela hora. A língua, semi morta pela anestesia, não colaborava, eu quase sufoquei duas vezes e me afoguei com a água. Mas acabou descendo. Mamis me levou pra casa, eu deitei no sofá e apaguei. Acordei meia hora antes de vencer o efeito do analgésico, uivando de dor.
Agora, eu to aqui com a cara do Kiko do Chaves misturado com o Quasímodo. De molho, mas já tive que trabalhar. Descobri que esse negócio de sorvete é superestimado, que a minha avó faz doce de leite de pedaço nos momentos mais impróprios, que a comida da minha mãe é intoleravelmente cheirosa. Mas pelo menos o sangue ta estancado e eu to levando mais ou menos com o analgésico, meu melhor amigo.
Mas o pior é: eu to mais manhosa que homem gripado. Pode isso?
8 comentários:
""EU DISSE QUE ESTÁ DOENDO. O senhor me desculpe, mas mesmo deitada aqui eu ainda sei diferenciar DOR de SENSIBILIDADE".
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
To imaginando vc dizendo isso em baleiês! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
E o comprimido depois de tudo? Eu to imaginando a cara que vc fez pra ele qdo mandou vc tomar aquilo! kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Levou qtas horas? Imagino o cansaço, xuxu... omodeu...
O melhor é ficar deitada... Semana que vem vai ter a gastura de tirar os pontos... ui!
Beijo! Minha Kikinha... dá um sorrisinho pra Dehynha... TLINDAAAAAAA!!
Caramba, acredita que só agora liguei o sorvete do almoço com a saga dos sisos =S kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Em tempo: a Piu é dentista, e ela é meio sádica, mas fica P da vida quando eu digo isso =P
Beijo. E melhoras =)
Cara... senti mais medo agora do que vendo um filme do Jason.
Confesso que morri de rir da história toda, mas vou me utilizar da sua experiência para adiar a minha. Não tô pronta pra isso de jeito nenhum! Mas melhoras pra vc... Beijo!
Liv, só mesmo vc para transformar uma seção de SM não consentdo em um texto tão delicioso.
Que saga!!! rs....
Só pra constar, tenho várias tatuagens, mas precisei tomar um diazepan pra fazer uma limpeza de dente na semana passada. E olha que o dentista era gentil, fofo e tranquilo!
Em tempo: tenho os 4 sisos e mato o fdp que me mandar arrancar!
Ai quanto drama por causa de um ciso!!!!Francamente, Lívia , esperava mais de você, pensei que você fosse uma mulher forte (risos). Brincadeira, acho que vou imprimir para mostrar para meus colegas o sofrimento que podemos causar num ser humano, quanto ódio no coração... Começo a ficar preocupada com meu carma. Beijos e melhoras, Piu.
Hoje eu tirei meu dente do siso. O engraçado é que recebi as mesmas pílulas antes da cirurgia começar, porém elas fizeram efeito.
Agora estou aqui mordendo a famosa gaze.
Caí neste blog de pára-quedas (lê-se Google), e confesso que a forma com que o texto foi escrito me fez lê-lo por completo, gostei muito da linguagem e das palavras utilizadas, porém sou averso a palavrões, acho que eles quebram um pouco a idéia de profissionalismo.
De qualquer forma gostei.
Um grande abraço.
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