terça-feira, abril 01, 2008

Marca D'água

Ela pensou em pendurar uma placa. Escrita em neon vermelho, piscando que nem aquelas antigas propagandas de cigarro. Puxa, isso tinha sido há muito tempo, parecia outra vida. E pensar nessa comparação fazia-a se sentir um pouco velha. Não, velha não. Defasada? Retrógrada? Não. Saudosista. Sim, de fato.

Aliás, ela era assim. Valorizava detalhes, gestos simples, pequenos-grandes significados. Sentia saudade de xícaras de café e sorrisos compartilhados no fim da tarde, lembrava-se comovida de um trecho de livro que lhe tinha sido mostrado, guardava com carinho confidências, histórias e até mesmo piadas bobas.

Gostava de ser assim. Ainda que alguns a julgassem tola, por vezes, era assim que ela sabia sentir as coisas. Pra ela, alguém que tinha um dia sido importante não deixava de sê-lo da noite pro dia, como se apagado pelo pressionar de um botão. Ainda que a vida seguisse seu curso e novos acontecimentos trouxessem sentimentos renovados, a marca das experiências passadas continuava presente, lembrando-a de tudo que já tinha aprendido e incitando-a a fazer direito dessa vez.

E quando se faziam presentes a alegria e a emoção provocadas pelas mudanças, a vontade que tinha era de rir alto e contar pra quem quisesse ouvir. Mais que isso, a vontade era prestar um tributo. E por isso pensou na placa. Penduraria uma, gigantesca, com letreiro em neon vermelho qual o das antigas propagandas de cigarro. E poria nela tudo quanto queria bradar ao mundo, tudo o que lhe supitava pelos olhos e pelos poros, tudo o que fazia brotar aquele sorriso irritante que a acompanhava até mesmo quando caminhava pela rua.

Mas, outra característica marcante da sua personalidade era a sutileza, que, aliada ao gosto pelos pequenos detalhes, a fez mudar de idéia. Em vez da placa, faria uma marca dágua. Discreta, suave, por vezes até mesmo imperceptível. Mas indelével e sempre presente. Que nem o raio do sorriso.

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